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quinta-feira, 23 de junho de 2016

Soneto da Lua





Por que tens, por que tens olhos escuros

E mãos lânguidas, loucas, e sem fim

Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim

Impuro, como o bem que está nos puros ?



Que paixão fez-te os lábios tão maduros

Num rosto como o teu criança assim

Quem te criou tão boa para o ruim

E tão fatal para os meus versos duros?



Fugaz, com que direito tens-me pressa

A alma, que por ti soluça nua

E não és Tatiana e nem Teresa:



E és tão pouco a mulher que anda na rua

Vagabunda, patética e indefesa

Ó minha branca e pequenina lua!



Vinicius de Moraes

terça-feira, 14 de junho de 2016

Sábias Palavras

Passamos pelas coisas sem as ver,

gastos, como animais envelhecidos:

se alguém chama por nós não respondemos,

se alguém nos pede amor não estremecemos,

como frutos de sombra sem sabor,

vamos caindo ao chão, apodrecidos.

                                                Eugénio de Andrade

Fausto: Rosalinda; Peniche, Portugal, 1976


A central nuclear não avançou. Que bom!
Floresceu um empreendimento de luxo com campos de golfe.
Outra forma de toxicidade...
Preservou-se o mar, alterou-se a paisagem, encheram-se carteiras e ocupam-se uns quantos ex pescadores.
A Rosalinda cresceu, formou-se, emigrou e casou com um inglês.
Veio de férias ver o mar...
aprender a surfar!

Sílvia. Q. Sanches  - Agosto 2014

domingo, 22 de setembro de 2013

Inquietação



INQUIETAÇÃO

Sou como um barco de papel
A correr a aventura
De uma enxurrada
Ou como a vítima
De um tropel de gigantes
A sacudir a terra
Em que adormeço

A emoção
E o arrepio
Que sinto desde o começo
Ficam-me
À periferia do medo

*

EDGARDO XAVIER, in AMOR DESPENTEADO (Casa das Cenas, 2007)
Fotografia: sailing in a paper boat, por © Noelle Buske
http://farm6.staticflickr.com/5058/5516300886_5311e13c3a.jpg

domingo, 25 de agosto de 2013

Ambiciosa


Para aqueles fantasmas que passaram, Vagabundos a quem jurei amar, Nunca os meus braços lânguidos traçaram O voo dum gesto para os alcançar... Se as minhas mãos em garra se cravaram Sobre um amor em sangue a palpitar... - Quantas panteras bárbaras mataram Só pelo raro gosto de matar! Minha alma é como a pedra funerária Erguida na montanha solitária Interrogando a vibração dos céus! O amor dum homem? - Terra tão pisada, Gota de chuva ao vento baloiçada... Um homem? - Quando eu sonho o amor de um Deus!...

Florbela Espanca, Charneca em Flor (1930) 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

SETE LUAS



"Há noites que são feitas dos meus braços
...
e um silêncio comum às violetas
e há sete luas que são sete traços
de sete noites que nunca foram feitas

Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.

Há noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desencanto
e cisnes brancos que só são iguais
à mais longínqua onda de seu canto.

Há noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo."
NATÁLIA CORREIA, in POESIA COMPLETA ( Publ. Dom Quixote, Lisboa 1999)
 
 
 
 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Caminhos...


Saudade...

"Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido."
 
(autor: Pablo Neruda)

Adeus (Palavras Gastas)


quinta-feira, 10 de maio de 2012

HORA ABSURDA


           O TEU SILÊNCIO é uma nau com todas as velas pandas...

           Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...

           E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas

           Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...



           Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...

           O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...

           Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e

           entanto

           Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...



           Abre todas as portas e que o vento varra a ideia

           Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...

           Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cheia,

           E a minha ideia de te sonhar uma caravana de histriões...



           Chove ouro baço, mas não no lá-fora...É em mim...Sou a Hora,

           E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela...

           Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...

           No meu céu interior nunca houve uma única estrela...



           Hoje o céu é pesado como a ideia de nunca chegar a um porto...

           A chuva miúda é vazia...A Hora sabe a ter sido...

           Não haver qualquer coisa como leitos para as naus!...Absorto

           Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...



           Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,

           Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há,

           Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,

           E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...



           Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos...

           Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas...

           Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas...

           E a erva cresceu nas vias férreas com viços daninhos...



           Ah, como esta hora é velha!... E todas as naus partiram!

           Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam

           De longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram

           Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...



           O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono

           Da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada

           E sente saudade de si ante aquele lugar-outono...

           Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...



           A doida partiu todos os candelabros glabros,

           Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas...

           E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos

           candelabros...

           E que querem ao lago aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?...



           Por que me aflijo e me enfermo?...Deitam-se nuas ao luar

           Todas as ninfas... Veio o sol e já tinham partido...

           O teu silêncio que me embala é a ideia de naufragar,

           E a ideia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido...



           Já não há caudas de pavões todas olhos nos jardins de outrora...

           As próprias sombras estão mais tristes...Ainda

           Há rastros de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora

           Um como que eco de passos pela alameda que eis finda...



           Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...

           As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...

           Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma,

           E eu ver isso em ti é um porto sem navios...



           Ergueram-se a um tempo todos os remos...pelo ouro das searas

           Passou uma saudade de não serem o mar...Em frente

           Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras...

           Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente...



           Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol!

           Todas as princesas sentiram o seio oprimido...

           Da última janela do castelo só um girassol

           Se vê, e o sonhar que há outros põe brumas no nosso sentido...



           Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...

           Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...

           Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula...

           Por que não há de ser o Norte e Sul?... O que está descoberto?...



           E eu deliro... De repente pauso no que penso...Fito-te...

           E o teu silêncio é uma cegueira minha...Fito-te e sonho...

           Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,

           E a tua ideia sabe à lembrança de um sabor de medonho...



           Para que não ter por ti desprezo? Por que não perdê-lo?...

           Ah, deixa que eu te ignore...O teu silêncio é um leque ---

           Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,

           Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...



           Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos....

           Murcharam mais flores do que as que havia no jardim...

           O meu amar-te é uma catedral de silêncio eleitos,

           E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...



           Alguém vai entrar pela porta...Sente-se o ar sorrir...

           Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...

           Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir,

           O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...



           É preciso destruir o propósito de todas as pontes,

           Vestir de alheamento as paisagens de todas as terras,

           Endireitar à força a curva dos horizontes,

           E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...



           Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...

           Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã --- como



           nos desalegra!...

           Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem

           O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...



           Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...

           Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...

           A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,

           E o meu saber-te a sorrir é uma flor murcha a meu peito...



           Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...

           Ah, se fôssemos as duas cores de uma bandeira de glória!...

           Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia baptismal,

           Pendão de vencidos tendo escrito ao centro este lema ---  Vitória!



           O que é que me tortura?... Se até a tua face calma

           Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos...

           Não sei...Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...

           Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...



                                                                           4-7-1913

Fernando Pessoa