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sábado, 4 de junho de 2016

Os Amigos


Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia" 

sexta-feira, 15 de abril de 2016

A Vida


É vão o amor, o ódio, ou o desdém; 
Inútil o desejo e o sentimento... 
Lançar um grande amor aos pés d'alguém 
O mesmo é que lançar flores ao vento! 

Todos somos no mundo "Pedro Sem", 
Uma alegria é feita dum tormento, 
Um riso é sempre o eco dum lamento, 
Sabe-se lá um beijo donde vem! 

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se... 
Uma saudade morta em nós renasce 
Que no mesmo momento é já perdida... 

Amar-te a vida inteira eu não podia... 
A gente esquece sempre o bem dum dia. 
Que queres, ó meu Amor, se é isto a Vida!... 

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade" 

Perdi os Meus Fantásticos Castelos

Perdi meus fantásticos castelos 
Como névoa distante que se esfuma... 
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los: 
Quebrei as minhas lanças uma a uma! 

Perdi minhas galeras entre os gelos 
Que se afundaram sobre um mar de bruma... 
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? – 
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma! 

Perdi a minha taça, o meu anel, 
A minha cota de aço, o meu corcel, 
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias... 

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas... 
Sobre o meu coração pesam montanhas... 
Olho assombrada as minhas mãos vazias... 

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas" 

sábado, 26 de março de 2016

Amar!


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-se ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
Florbela Espanca, Charneca em Flor (1930)
Porto de Abrigo

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Adiamento...

Álvaro de Campos
Adiamento





   Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
   Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
   E assim será possível; mas hoje não...
   Não, hoje nada; hoje não posso.
   A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
   O sono da minha vida real, intercalado,
   O cansaço antecipado e infinito,
   Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
   Esta espécie de alma...
   Só depois de amanhã...
   Hoje quero preparar-me,
   Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
   Ele é que é decisivo.
   Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
   Amanhã é o dia dos planos.
   Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
   Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
   Tenho vontade de chorar,
   Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...   Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
   Só depois de amanhã...
   Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
   Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
   Depois de amanhã serei outro,
   A minha vida triunfar-se-á,
   Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
   Serão convocadas por um edital...
   Mas por um edital de amanhã...
   Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
   Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
   Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
   Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
   Antes, não...
   Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
   Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
   Só depois de amanhã...
   Tenho sono como o frio de um cão vadio.
   Tenho muito sono.
   Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
   Sim, talvez só depois de amanhã...
   O porvir...
   Sim, o porvir...
http://pessoa.mdaedalus.com/alvaro-de-campos20.html

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Menina das sete saias

Balada Das Sete Saias

Trovante

Sete ondas se noivaram
Ao luar das sete praias
Sete punhais se afiaram
Menina das sete saias
Sete estrelas se apagaram
Sete-que-pena choraias
Sete segredos contaram
Menina das sete saias
Eh ah......
Sete bocas se calaram
Com sete beijos beijai-as
Sete mortes evitaram
Menina das sete saias
Sete bruxas se encontraram
No monte das sete olaias
Sete vassouras montaram
Menina das sete saias
Sete faunos contrataram
Sete cornos e zagaias
Aos sete encomendaram
Menina das sete saias
Sete princesas toparam
Com mais sete lindas aias
Por sete e sete deixaram
Menina das sete saias
Sete danças que bailaram
Sete vezes que desmaias
Sete luas te ansiaram
Menina das sete saias
Sete vezes se encantaram
No bosque das sete faias
Sete sonhos desfolharam
Menina das sete saias

sexta-feira, 16 de março de 2012

As Palavras Interditas

"Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas."

Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Saudade





Saudade é solidão acompanhada,

é quando o amor ainda não foi embora,

mas o amado já...



Saudade é amar um passado que ainda não passou,

é recusar um presente que nos machuca,

é não ver o futuro que nos convida...



Saudade é sentir que existe o que não existe mais...



Saudade é o inferno dos que perderam,

é a dor dos que ficaram para trás,

é o gosto de morte na boca dos que continuam...



Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:

aquela que nunca amou.



E esse é o maior dos sofrimentos:

não ter por quem sentir saudades,

passar pela vida e não viver.



O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.



Pablo Neruda

domingo, 24 de outubro de 2010

Os Meus Pensamentos são Todos Sensações

Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos

E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos

E com as mãos e os pés

E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la

E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor

Me sinto triste de gozá-lo tanto.

E me deito ao comprido na erva,

E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,


Sei a verdade e sou feliz.



Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema IX"

Heterónimo de Fernando Pessoa

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Saudade

"Saudade - O que será... não sei... procurei sabê-lo

em dicionários antigos e poeirentos

e noutros livros onde não achei o sentido

desta doce palavra de perfis ambíguos.



Dizem que azuis são as montanhas como ela,

que nela se obscurecem os amores longínquos,

e um bom e nobre amigo meu (e das estrelas)

a nomeia num tremor de cabelos e mãos.



Hoje em Eça de Queiroz sem cuidar a descubro,

seu segredo se evade, sua doçura me obceca

como uma mariposa de estranho e fino corpo

sempre longe - tão longe! - de minhas redes tranquilas.



Saudade... Oiça, vizinho, sabe o significado

desta palavra branca que se evade como um peixe?

Não... e me treme na boca seu tremor delicado...

Saudade... "




Pablo Neruda, in "Crepusculário"

Tradução de Rui Lage

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

As palavras

"São como um cristal,

as palavras.

Algumas, um punhal,

um incêndio.

Outras,

orvalho apenas.



Secretas vêm, cheias de memória.

Inseguras navegam:

barcos ou beijos,

as águas estremecem.



Desamparadas, inocentes,

leves.

Tecidas são de luz

e são a noite.

E mesmo pálidas

verdes paraísos lembram ainda.



Quem as escuta? Quem

as recolhe, assim,

cruéis, desfeitas,

nas suas conchas puras?"



Eugénio de Andrade

Palavras e sentimentos


"O que pode destruir um sentimento,


não são apenas as palavras alteradas,

as que gritam, mas as que no tempo

caiem no silêncio e no silêncio... ficam guardadas!





São as que em formas de lágrimas vão correndo

disfarçadas, as que deslizam sufocadas,

as que agonizam em solidão, as que vão morrendo

de medo e apatia e as que se apagam estranguladas.





São as que não reclamam e de modo incerto

nascem silenciosas, em segredo,

onde apenas no silêncio da paz vivem perto

e num sussurro se encontram sem medo.





São as que os silêncios compreendem,

as que os silêncios guardam e lêem,

porque ninguém as ouve ou poucos entendem,

que tanto existe, para além daquilo que vêem!"
 
 
 
Fernanda Rocha

Camões


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.





Camões

Alexandre O'Neill

"Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca,

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperança louca.



Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto,

Palavras que se recusam

Aos muros do teu desgosto.



De repente coloridas

Entre palavras sem cor,

Esperadas, inesperadas

Como a poesia ou o amor.



(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado

No mármore distraído,

No papel abandonado)



Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes

Abraçados contra a morte."


Alexandre O'Neill

Fernando Pessoa


Não sou nada.


Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.



Fernando Pessoa

domingo, 27 de junho de 2010

Ao Fim

“ Ao fim são muito poucas as palavras

que nos doem a sério e muito poucas

as que conseguem alegrar a alma.

São também muito poucas as pessoas

que tocam no nosso coração e menos

ainda as que o tocam muito tempo.

E ao fim são pouquíssimas as coisas

que em nossa vida a sério nos importam:

poder amar alguém, sermos amados

e não morrer antes dos nossos filhos.”

                                Amalia Bautista

sábado, 14 de novembro de 2009

Fernando Pessoa




"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."

(Fernando Pessoa)


Gostei deste poema, diz-me muito. Um dia construirei o meu castelo...