terça-feira, 3 de maio de 2016

Capitães da Areia

Passava os verões quase sem vigilância, na praia da Foz do Arelho, enquanto os meus avós maternos faziam o seu negócio, na altura, um bar de praia, e os meus pais tomavam conta da loja de fotografia, o negócio da família. Na Foz do Arelho, junto ao cais, formara-se ali um ponto de venda dos mais diversos negócios, uns com farturas, outros com frangos, outros frutas, brinquedos de praia, enfim, tudo o que o povo consumia ou era levado a consumir, foram anos em que o poder económico do povo português tinha aumentado substancialmente, ainda antes da revolução dos cravos. 
Mas as crianças não sabem o que é politica, e até aos 10 anos vivia os meus Invernos entre a escola, as Atividades de Tempos Livres do Colégio Ramalho Ortigão, as brincadeiras na minha rua e à porta da loja de fotografia, esperando as férias grandes. Os verões que pareciam eternidades, passados na Foz do Arelho, entre os mergulhos no cais e a apanha de caracóis que se coziam ainda com ranhoca, e que faziam as delícias dos lanches da petizada daquele “centro comercial”. O grupo era grande, com idades compreendidas entre os 4 e os 12 anos, formava um autêntico bando de “Capitães da Areia” daquela praia. Éramos os donos do pedaço, e os miúdos que ousassem pensar que nos podiam fazer frente, quer no parque dos baloiços quer na sessão de mergulhos do cais, saíam com certeza de cabeça baixa para, depois da demonstração de “força”, se tornarem grandes amigos do grupo. Posso dizer que tive uma infância livre, talvez demais, mas saudável. Apendemos a ser independentes, a fazer frente aos perigos, ou pelo menos, saber contorná-los, a respeitar as hierarquias, a saber conviver e fazer amigos. Apesar de parecermos um bando de “índios” éramos meninos bons e respeitadores das regras do bem viver, sabíamos respeitar os mais velhos, adorávamos ouvir contar histórias da lagoa ou outras experiências vividas por eles. Ajudar os pais, avós ou tios a arrumar as respetivas vendas era também uma das tarefas de todos os meninos e meninas, ao final de cada dia.

Sílvia Q. Sanches 08-01-2014

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