sexta-feira, 10 de junho de 2016

A Lenda Do Anel De Brilhantes



Vou contar uma das peripécias do meu tio porreiraço. Um autentico cool man de quem muitos gostavam, poucos não. Um filosofo capaz de fazer as delicias de quem o ouvia.
Como sabem, na Foz do Arelho, quando à maré vazia, é só ver gentinha de rabo pró ar a apanhar berbigão. É já uma tradição para muitas famílias, ir à Foz apanhar uma insolação na apanha de uns quilitos de marisco para poupar uns trocos. Já para não falar da apanha ilegal em épocas em que está fechada a apanha por razoes de saúde pública, devido a febres que estes bivalves desenvolvem. Mas o pessoal não liga.  Até é giro depois comer aquilo tudo,  parar no hospital com uma valente diarreia.
Mas naquele tempo que não havia nada dessas maleitas e era tudo fresquinho, fresquinho!
Era ver ainda mais gentinha ali de rabinho para o ar. Tinha dias que era mais gente que berbigão, ou até de grãos de areia.
Ora claro que só os nativos da região e outros tantos tugas,  é que sabiam o propósito daquelas romarias. Os estrangeiritos, coitaditos, não percebiam nada do que se passava ali e perguntavam, claro que ao meu tio, o único poliglota do pedaço, o que fazia toda aquela gente de rabo para o ar ali na água?
Ele, que não se contentava em dar uma explicação simplista da coisa, contava-lhes sempre uma história que lhe vinha a cabeça e um dia nasceu a lenda do anel de brilhantes que pegou e passou a história oficial para estrangeiros.

"A muitos, muitos séculos, ainda a península ibérica pertencia aos mouros, vivia em Óbidos uma bela princesa moura que costumava cavalgar com o seu belo cavalo árabe no areal onde hoje é água. Sim, a lagoa não existia, era um extenso areal que lembrava a princesa o seu deserto que havia deixado ao acompanhar seu pai, um sultão muito poderoso e rico, o rei dos sultões!
Um dia a bela princesa enamorou-se de um belo príncipe filho de outro rei, rival do grande sultão.
Era um amor lindo mas proibido pelos pais. Mas o casal arranjava sempre forma de se ver e um dia trocaram de anéis como que a selar o seu grande amor.
A princesa deu ao príncipe um anel de safiras e o príncipe um lindo anel de brilhantes à sua amada.
Certo dia, a princesa cavalgando no seu cavalo, deixou cair o anel e sentiu uma dor no peito muito forte. O seu príncipe tinha partido para a guerra e ela sentira como que um corte ao deixar cair o anel que ficou perdido no areal.
A princesa sentiu que o seu príncipe tinha partido para o além!
Desde aí passou a procurar o seu anel de brilhantes por aquele areal fora enquanto chorava e tanto chorou que se formou a lagoa de Óbidos. O anel nunca foi encontrado, e ao longo dos séculos cada vez mais são as pessoas que o procuram para o entregar a princesa que ainda chora a morte do seu bem-amado. "

Esta foi a história que me habituei a ouvir, com mais ou menos pormenores, contar aos estrangeiros que iam por ali passando.
Genial, não?!

Silvia Sanches 2008

Mexilhões da Foz



Um dos meus tios maternos, homem muito comunicativo e dado a línguas e culturas estrangeiras, fazia novas amizades muito facilmente com qualquer estrangeiro que lhe aparecesse no bar da praia, negócio da família nessa altura. Eu sempre venerei este tio, era como que o porta-chaves dele, acompanhava-o para todo o lado (possível claro) e seguia-lhe todas as passadas. Eu era a menina do tio e ele era o tio porreiraço que qualquer sobrinho gostaria de ter.
Ele era o maior desenrasca que conheci, nunca o vi atrapalhado com nada, sempre com soluções para tudo, mas nada programado. Fazia sempre tudo em cima do joelho, mas corria sempre bem! Quase tudo! Quase sempre!
Ora o bar situava-se junto ao velho cais da praia da Foz do Arelho e nessa época a agua da lagoa era tão límpida que se via todo o fundo bem como tudo que estivesse dentro dela.
Não se falava em poluição. Não se sabia o que era isso!
Os estrangeiros ficavam fascinados com a beleza bruta da Foz. Tudo era puro, até o povo de lá. (mas adiante)
Uma das especialidades confeccionadas no bar era o mexilhão aberto ao natural acabadinho de apanhar! Verdade, verdadinha!
Sempre que era pedida uma dose de mexilhão, soava a voz de alguém:
- Sai uma dose de mexilhão!!!
Lá ia o meu tio aos pilares do cais arrancar mais uns cachos do afamado mexilhão, fresquinho, fresquinho, que confeccionado pela minha avó, uma cozinheira de mão cheia, estimulava as papilas gustativas de qualquer um.
Os clientes adoravam e os estrangeiros então deliravam com toda esta naturalidade com que se faziam as coisas.



Sílvia Q. Sanches 2010










A marmelada

Sabores de infância


A chegada da primavera transporta-me à minha infância, à felicidade da simplicidade do dia-a-dia de uma criança, dos dias enormes em que, até os rebuçados tinham outro sabor, a marmelada … então nem se fala.

Vejo a minha avó a dar-me uma moeda de vinte e cinco tostões para eu ir buscar marmelada ao Sr. Madeira, mercearia e retrosaria gerida por pai e filhos solteirões muito aprumadinhos e atenciosos.

Todo aquele ambiente, o grande balcão, os armários de madeira com grandes portas de madeira até ao tecto, os frascos cheios de chupa-chupas, os chocolates Regina, na vitrina por detrás do balcão, a maquina registadora com tantos botões como rebuçados dentro dos frascos, o cheiro do colorau vendido a peso e colocado naqueles pacotinhos de papel parecidos com rissóis e aqueles homens, autênticos autómatos silenciosos no seu trabalho, formigas zelosas do seu dever, de bata castanha e postura aprumada.
Encosto-me ao topo do grande balcão de mármore aguardando a minha vez, observando a azáfama daqueles três.  Lá passa o Sr. Chico, embora mais alto o filho mais novo do merceeiro, piscando-me o olho como que a dizer que já me atende e a adivinhando ao que vou.

Chegada a minha vez, vendo-me olhar fixamente o tabuleiro castanho coberto de celofane, o Sr. Chico com a mesma delicadeza com que atende as Sras. mais velhas de sorriso ao canto da boca, nem precisa de perguntar o que desejo, limita-se a pegar naquele tabuleiro valiosíssimo e com uma espátula de madeira corta delicadamente um cubo daquela preciosidade embrulhando com todo o requinte em papel vegetal. Pesa-o na enorme balança colocando noutro embrulho de papel manteiga. Seus dedos mestres em embrulhos, executam-no tão rapidamente como um mágico faz desabrochar uma flor de trás da orelha de alguém.

Levo aquele cubinho celestial e chegando a casa da avó nem espero pela fatia do pão, trinco-o como se de um bolo se tratasse.

Huummm… ainda sinto aquele sabor…

O autentico gostinho dos sabores da infância que nunca mais se esquecem.


" Eu sou pequenina,
Não sei fazer nada
Sei ir à cozinha
Comer marmelada"

Sílvia. Q. Sanches 2010

Peixinhos da sorte!

O meu avô materno vem de uma família numerosa. Eram muitos irmãos. Nem sei bem quantos. Devidas as dificuldades da vida, cedo se separaram e cada um tentou a sua sorte em sítios diferentes. Uns em Alhandra, outros no Montijo, outros em V. F. Xira, aqui em Caldas, enfim de Alenquer para muitos sítios diferentes, até para Inglaterra! E um dos irmãos, o mais carismático que conheci, correu vários lugares com a sua,também grande, família desde a Marinha Grande até Lisboa, onde se instalou numa encosta na zona do Areeiro e por lá construiu a sua alegre casinha com tijolos encontrados por aí, tábuas, folhas de zinco e tal... Bem ao jeito de um filme do Fellini!


Bem, este tio, vivia do seu negócio, alias, de vários negócios. Toda a família tem espírito de negócio e todos alma de inventor. Muito imaginativos. Uns para a fotografia outros noutras artes de viver. O meu avô, por exemplo, construiu a sua primeira maquina fotográfica a la minute bem como muitas outras coisas como decores para a fotografia e mais recentemente para outro negócio com que se entretém agora, as redes. A maioria dedicou-se a fotografia. Esse irmão, o tio António, o mais velho de todos, que não era muito dado as artes, tinha mais jeito para os animais e instalou a sua banca em pleno Martim Moniz ao lado do Hotel Mundial a 20mt de uma grande loja de animais. Vendia passarinhos que criava no seu "palácio" do Arieiro e outros que apanhava nas zonas verdes que ainda existiam em Lisboa.

Um dia, e porque o negócio florescia, resolveu alargá-lo e dedicar-se também aos peixinhos. Começou por vender uns pequenos peixes que os filhos apanhavam nos charcos em terrenos baldios perto do "palácio", aos quais resolveu baptizar de peixinhos da sorte. Eh, eh, Sorte, para ele que ficava com o dinheiro e azar de quem comprava.

- Olha os peixinhos da sorte! – Apregoava ele.

Esses pequenos peixinhos eram pura e simplesmente girinos!

Quando recebia reclamações de que o peixe se tinha transformado em rã ele respondia com o ar mais  ingénuo que conseguia simular:

- Vejam bem como é que a rã foi comer o seu peixinho da sorte, isto há coisa que nem lembra ao diabo, heim!

Pois o diabo junto a este meu tio teria mesmo muito que aprender! Eh, eh, eh!

Que família!

Silvia Q. Sanches 2009

terça-feira, 7 de junho de 2016

A vida continua



Há dias tristes, que não se gosta de nada, de ninguém. 
Nem do próprio ser. 
Coloca-se em causa a própria existência, e a forma como se vive.
Há dias em que o mundo desaba e todas as luzes se apagam. 
Dias de autentica solidão.
Mas ninguém está só!
Existe sempre alguém com situações idênticas e "Qui sait" piores.
Então, é nesse momento que se começa a vislumbrar uma luzinha.
Olha-se para uma criança na rua e sorri-se.
Aquela nuvem que passa, que gira, até parece uma girafa!
Passa aquela música na rádio que já não se ouvia há séculos. (Velhos tempos!)
Passa-se por um campo repleto de margaridas (que bela foto se tirava!).
Admira-se a imensidão do mar.
O abraço de um filho num chegar a casa…
Retomam-se forças.
Levanta-se a cabeça.
Enche-se o peito de ar.
As luzes acendem-se.
Segue-se em frente.
A vida continua…

Sílvia Q. Sanches 2009

Hibernar


E quando se pensa que nesta vida tudo se sabe, isso é sinal de uma ignorância tamanha que não chegaria a terra e o mar para suportar tal disparate...
Não dormi o suficiente e apetece-me dormir. 
Não só para descansar, também para esquecer, para me isolar, para me esconder da realidade.
Tenho sono. Tenho muito sono.
Preciso hibernar, é isso!
Preciso dormir enquanto não passam as agruras da vida.
O inverno!
É verão eu sei, mas eu preciso hibernar.
Dormir a sono solto sem sonhos, pesadelos, barulhos ou outras interrupções.
Dormir sem dar pelo tempo passar.
Acordar nem que seja daqui a cem anos, jovem e fresca como a bela adormecida.
É isso! Vou comer uma maçã envenenada, ou picar o meu dedo num fuso… quero dormir! Quero esquecer o cinzento e acordar no azul!
Não é possível, pois não?!
As cores da minha tela sou eu que tenho de misturar.
Oportuno seria carregar num interruptor e desligar aquilo que não interessa!
Apagar a luz e dormir.
"Deletar" tudo o que  incomoda!
Dormir até que tudo isso passe! 
Hibernar, até à próxima primavera.
Preciso de hibernar.


Sílvia Q. Sanches 2009

Message in a bottle


Viagens


Gosto de viajar mas não tendo suporte financeiro para muitas daquelas grandes viagens,  viajo no mais profundo do meu ser, enquanto contemplo o mar ou leio um livro.
Na verdade, ler um livro é de certo das viagens mais belas e pacificas que se podem fazer. Sem as complicações dos transportes, bagagens, documentos... Para mim, são daquelas viagens que ficam para a vida. 

Lendo, posso viajar no tempo e viver vidas que jamais ousaria viver. É bom viajar, ainda que espiritualmente, conhecer outras culturas, histórias magníficas de pessoas estupendas. 
Sem fotografias, filmes ou lembranças de viagem mas com imagens, sentimentos e sensações que jamais ninguém as sentirá. 
Guardadas no mais profundo do meu ser, na minha essência, na minha alma, levarei sempre comigo as pequenas recordações das minhas grandes viagens.
Um dia, quando morrer, quero ser cremada. Quero ser espalhada por todos os lugares que me encantam. Quero que me espalhem por aí. Perpetuar em muitos lugares é um sonho antigo.
Quero voar com o vento e conhecer o mundo!

Sílvia Q. Sanches 2010

sábado, 4 de junho de 2016

I am mine


Os Amigos


Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia" 

terça-feira, 31 de maio de 2016

Dia dos irmãos

Comemora-se hoje o dia dos irmãos.
Urra irmãos!...
E se os amigos são os irmãos que escolhemos, brindemos também a eles!
Para mim todos os dias são  os dias de mães, pais, amigos, filhos... do sol, da lua, da terra...
Estamos por cá todos os dias e é enquanto cá estamos que temos de comemorar.
Comemorar acima de tudo a vida. 

Afinal somos todos irmãos!


Sílvia. Q. Sanches 31 Maio 2016