terça-feira, 14 de junho de 2016

Teatro da vida


"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios.
Por isso cante, chore, dance e viva intensamente antes que a cortina se feche"

CHAPLIN

Fausto: Rosalinda; Peniche, Portugal, 1976


A central nuclear não avançou. Que bom!
Floresceu um empreendimento de luxo com campos de golfe.
Outra forma de toxicidade...
Preservou-se o mar, alterou-se a paisagem, encheram-se carteiras e ocupam-se uns quantos ex pescadores.
A Rosalinda cresceu, formou-se, emigrou e casou com um inglês.
Veio de férias ver o mar...
aprender a surfar!

Sílvia. Q. Sanches  - Agosto 2014

Caminhos



A Insónia, hoje, resolveu fazer-me companhia. trouxe a vontade com ela.
Estivemos a ver um filme que eu guardava à uns tempos... fizemos um pacto... eu e a vontade, faremos o caminho juntas. 

segunda-feira, 13 de junho de 2016

O estranho caso do Ser e do Ter



Unidos à nascença. Amigos inseparáveis.
Ser, filho pródigo de boas famílias, amado e super protegido, porém inseguro, medroso, libertino e mal entendido pela sociedade. 
Ter, quase nado morto, reanimado ao ultimo momento, de condição humilde, habituado a transformar fraquezas em forças, conquistador de pequenas batalhas, bem aceite socialmente.
Não vivem um sem o outro. Embora discordem frequentemente.  
Não sabem é que ocupam os lugares errados.
Ser, mais forte do que se julga, porém diminuído pelas normas sociais criadas por outros Teres, influencia, no entanto, Ter a tornar-se forte. Tão forte que o próprio Ser se esquece de si mesmo e do que o move. 
Ter, mesmo sabendo que se pode sucumbir a qualquer momento, sente-se forte. Suas conquistas tornam-no forte e bem visto aos olhos alheios. Mas sem Ser, Ter não é ninguém e não pode viver muito tempo.
Ser, com tempo, pode ganhar confiança e continuar a ajudar Ter, numa união sadia, será só uma questão de equilíbrio.
Ter terá de ceder. E Ser terá de se impor.

Sílvia Q. Sanches, jan 2016.
                                                                                                                                                                Imagem retirada da Net

Estar ou não estar... eis a questão!


Quando se chega a uma idade em que já pouco mais há para descobrir do mundo que se conhece. Quando já nem há paciência para apreciar os pequenos pormenores caindo-se no isolamento...talvez do próprio conhecimento. No egocentrismo, por assim dizer!...

E egocentrismo não tem que ser propriamente conotado com algo de negativo. O auto conhecimento é necessário, e uma pitada de egoísmo faz parte da lista de condimentos para um bom cozinhado pessoal.

Viver a vida a agradar os outros,  mostrando que se é valente, capaz de ultrapassar obstáculos, resolvendo os problemas alheios e sem conseguir alcançar o sentimento mais profundo de si mesmo é triste. É morrer aos poucos.
É como viver numa casca, num casulo, sem nunca desabrochar. 

Há momentos para tudo e que por mais perfeccionismo possa haver, há sempre algo que pode correr mal. O inesperado!

E o castelo de cartas desmorona-se...

Seria maravilhoso um mundo perfeito.
Mas a perfeição não existe e o entendimento é utópico.

Sílvia Q. Sanches - Nov 2015

imagem retirada da Net

Conversar

Na verdade não falamos com os outros.
Falamos sim, com nós próprios.
Em contrapartida ouvir o próximo é ouvir a própria consciência.
Conversar, portanto é uma forma de auto-conhecimento.
E há sempre tanto por descobrir!

Sílvia Q. Sanches  - Jan 2016
                                                                                                                                                     imagem retirada da Net

Evolução?...

Li um artigo que me despertou para o que se pode chamar a "EVOLUÇÃO" do amor.
Diz a musica que "Já não há canções de amor como havia antigamente..."
É verdade que vivemos na época das selfies, do mostrar no facebook o quão "feliz" se está, do "auto conhecimento" e do desapego. Tal é moda que o verdadeiro sentido de cada uma dessas coisas deixa de ser real. 
Vivemos permanentemente numa montra. As relações tornam-se descartáveis. E se num dia o amor sai pelos poros, converte-se, vertiginosamente, em ódio ou desprezo, à primeira contrariedade.
Ou se ama ou já não se ama. Quase ninguém deseja a felicidade do outro. Pensa-se que desejar a felicidade do outro é incompatível com o alcance da nossa própria felicidade. O egocentrismo cego prolifera por aí e os valores da amizade e do amor ao próximo vão ficando cada vez mais ténues. 
Assusta cada vez mais a capacidade humana de converter amor em ódio, o querer bem em desprezo, o apego em maldizer. As fotos românticas são substituídas por indirectas ácidas, e as declarações de amor por palavras amargas e cheias de mágoa.
Os poemas de amor passaram à historia, tornaram-se "pirosos"... mas na verdade, todos ansiamos viver essas histórias procurando as primaveras incessantemente sem querer passar pelas outras estações tão ou mais importantes. 
A Fruta de cada época deve ser comida no momento certo. E a tendência é a produção em estufa e garantir doçura ainda que sinteticamente. 
Esta é a tendência!
Será isto a evolução?
É para isto que cá andamos? 



Silvia.Q.Sanches - Abril 2016 

Teorias

A vida é uma duvida constante.
Acreditamos ou guia-mo-nos por teorias de outros cujas duvidas os levaram a pensar.
Nada é certo.
São apenas teorias. 
Desde a formação do Universo cujas teorias são tantas à evolução das Espécies...
Faz parte do ser humano, o querer saber, descobrir... E é verdade que temos descoberto tanto através da partilha de informação e troca de ideias.
Formaram-se correntes, linhas de pensamento e cada um segue aquela com que se identifica.  
Reais ao não, são as bases onde nos vamos sustentando e formando cada ser, cada um diferente de qualquer outro. Somos unos. Matrizes cujos moldes nunca serão utilizados. 
Ainda que sejamos clonados, nem mesmo esses clones pensarão da mesma forma que nós. Cada ser é um só, com as suas próprias duvidas, as suas certezas,as suas teorias! 


Sílvia.Q.Sanches - Abril 2016

sábado, 11 de junho de 2016

Farol


Era uma vez um farol que vivia muito feliz na ponta de um cabo. Com o seu faroleiro fazia uma bela dupla. O belo e majestoso farol iluminava com a sua luz tudo o que o rodeava ajudando os barcos a não embaterem naquela costa e a orientarem-se no seu caminho. Sentia-se importante auxiliando os outros nos seus caminhos. Tinha o seu faroleiro, que dele cuidava, o mantinha funcional e sempre grandioso. 
O faroleiro amava o seu farol e nunca o abandonava por nada, conhecia-lhe todos os pontos, percorria todos os seus degraus, de olhos fechados. se preciso fosse. Mesmo que aquela escalada diária lhe custasse, ele não desistia da sua vida de faroleiro.
Um dia o o belo e majestoso farol, durante a  sua empreitada nocturna, iluminando aquele pequeno mundo a sua volta, num olhar zeloso mas triste da sua tarefa algo solitária, sentiu-se encandeado. 
Sim encandeado! 
 A sua luz cruzava-se com a de outro farol, nunca tinha acontecido cruzarem-se assim. 
Chegara a julgar-se único e  não fazia ideia que havia mais faróis como ele. 
O faroleiro nunca lho dissera!
O outro farol, que vivia numa pequena ilhota, também se surpreendeu com aquela troca de focos. Estava triste. 
O seu faroleiro tinha-o abandonado e ele sentia-se desamparado. Mas tinha de continuar a sua tarefa iluminando o mundo que o rodeava. 
Ao ver que afinal havia mais faróis como ele sentiu-se estranhamente feliz.
Desde essa noite que os dois faróis passaram a desejar cruzar as suas luzes. 
Dos seus pontos de vigia, conscientes das suas funções, contemplavam-se ao longe, a cada cruzar de feixes de luz.
Passaram muitos Natais, sofisticaram-se os instrumentos náuticos e os faróis quase se tornaram elementos decorativos, míticos, mas sempre em funções. Cada vez mais automatizados dispensando os faroleiros sempre nas  suas grandiosas funções, iluminam o escuro da noite tal como uma árvore de natal ilumina o regresso a casa.




Sílvia.Q. Sanches 2008

Capuchinho Vermelho



O capuchinho vermelho, a própria avozinha...

O lobo não era mau...

Foi seduzido pela leveza daquela mulher que se sentia menina.

A capa vermelha dos tempos de adolescente, alegrava seu rosto.

Caminhava pelo bosque saboreando o cheiro da terra, o chilrear dos pássaros, as flores...

Amava a vida e o que a rodeava.

Não tolerava injustiças e lutava sempre pelos menos favorecidos.

Ao ver o lobo, ali sozinho, indefeso, afagou-lhe o pelo ofereceu-lhe um biscoito, e sentaram-se a venerar a floresta.

Conversaram horas sem fim...

Assunto nunca lhes faltou.

O lobo aquecia a avozinha e ela sentia-se menina.  Acarinhava-o, ouvindo suas historias.

Sentiam-se bem juntos, completavam-se...

A amizade cresceu tanto que na aldeia todos se intrigavam.

Que tanto tinham aqueles dois para conversar?

Não entendiam que uma velha mulher se podia sentir jovem e que um lobo podia ser bom.

Não aceitavam a amizade pura daqueles dois.

Diagnosticaram demência à mulher internando-a num lar.

Ao lobo, caçaram-no e fecharam-no num centro de recuperação do lobo ibérico.

Ele integrou-se com os seus companheiros de cativeiro. Sente-se acolhido pela nova alcateia.

A avozinha, cada vez mais alheada da vida, guarda ainda a capa vermelha na sua caixa de memórias. Sente-se a ovelha negra do seu rebanho.

Na aldeia contam a velha historia do capuchinho vermelho saltando a parte das crianças visitarem os avós, dando ênfase ao velho medo dos lobos.




Sílvia Sanches 2015



sexta-feira, 10 de junho de 2016

As Laranjas da "Ti Estrudes"


Algumas das memórias mais vincadas da minha infância, estão ligadas a uma tia carismática que vivia em Santarém. Gertrudes de seu nome, mais conhecida por "Ti Estrudes".
Vivi a infância convencida de que "Tiestrudes" era um nome próprio, de tal forma que sempre me dirigia ou referia a ela, dizia: - A tia "Tiestrudes", a tia das laranjas!!!!
Casa de campo modesta, construída pelo marido, avarento, que de simpatia e bondade nada devia ao divino, paredes finas e chão de cimento colorido, uma casa de banho sem banheira, outrora exterior, ligada à casa por uma sala de estar acrescentada ao longo dos anos, onde a família  se juntava. Todos se atropelavam para se sentar no velho banco de camião, o único e "sofisticadissimo" sofá de couro que existia na casa, bem ao lado da chaminé de chão onde existia um fogão de lenha em esmalte branco.
No fogão que aquecia a casa, fervia uma panela de ferro onde a "Tiestrudes" ia acrescentando os ingredientes secretos de uma sopa mágica da qual ainda guardo o sabor mas não mais saboreei.
A pandega tia, baixa e redondinha com a sua longa trança preta em carrapito, artisticamente enfeitado com ganchos de tartaruga, recebia como ninguém entre anedotas, graçolas, credos, "traques" disfarçados com o arrojar de bancos e histórias de família. Qual a fada madrinha da Cinderela, cheia de truques e magia, qual bruxinha do bem, cuja casa de cantos e recantos escondia tantos mistérios.
O relógio de cuco tocava todas a horas, compassadas pelo tique-taque constante, marcando o tempo interminável que se vivia naquele autentico local de culto.
Obrigatória era a visita ao quarto dos santinhos onde existia uma grande cómoda cujo altar com a Nossa Sra era rodeado de um grande presépio de santos de todas as "qualidades" e fotografias de todos os sobrinhos, irmãos, amigos e conhecidos.
A "Tiestrudes" era conhecida pelos seu dotes curandeiros e rezava todos os dias os seus santinhos pelo bem de todos que lhe pediam ajuda. O cheiro azeite que emanava das lamparinas e das tijelas meias de água onde observava, através de gotas de azeite, se a vida de cada um corria bem ou não.
O momento alto passava pela ligação da santinha à tomada exterior da velha instalação eléctrica, acendendo as luzes coloridas e o som agudo da musica dos pastorinhos.
A hora de dormir era um acontecimento. Um abrir e fechar de gavetas e baús de onde surgiam lençois de linho e cobertores de "papa" que picavam. As camas, mais estreitas do que eu estava habituada a ver em minha casa, eram feitas com todo esmero num ritual do bem receber tão típico da amorosa tia.
Dormir num quarto de anexo era sempre uma aventura. Especialmente pela madrugada, quando se acordava aos primeiros raios de sol com o galo e os melros como despertador.
O cheiro das laranjeiras que cobriam o alpendre, entrava pela janela de vidros martelados encaixados numa quadricula de ferro pintada de verde.
 As laranjas da "Tiestrudes" eram especiais. Apanhava-se um cesto delas, grandes, sujas de um pó preto que nos mascarrava.
Eram escolhidas uma a uma de preferência com filhos porque a "menina" gostava!
À refeição a minha mãe num toque de magia cortava da casca da laranja uns óculos que eu ostentava divertidamente.
Há memórias que ficam, pelos os sentidos que estimulam.
O cheiro inesquecível das laranjas, o calor do fogão de lenha, no sofá feito de banco de camião,
olhando o mundo através dos óculos cortados da casca da laranja, ao som do crepitar do lume... são das memórias que não mais esqueço.
Onde quer que esteja, provavelmente ao lado dos seus santinhos,  sei que a saudosa "Tiesturdes" continua, com a sua mão no peito e a sua gargalhada tão envolvente.
"Avé laranjas da Tiestrudes"!



Sílvia. Q. Sanches 29 Maio 2016